23.11.11

CIDADANIA ESMAGADA

Pesquisador musical, especializado em Beatles, com muitas realizações no Brasil e trabalhos publicados em vários países, tenho 37 anos, sou portador de tetraplegia, nunca caminhei, sou cadeirante. Dedico-me ao estudo do universo dos Beatles e à produção de textos históricos e críticos sobre temas deste universo estético e sócio-antropológico desde 1989. Em maio último, realizei um sonho de criança: assisti no Estádio do Engenhão, no Rio, onde vivo, o show de Paul McCartney, da turnê "Up And Coming". Foi um belo espetáculo, que marcou a minha memória e o meu coração.
Em julho último, um novo sol no horizonte: Ringo Starr e sua All Starr Band viriam ao Brasil em novembro para apresentações em seis capitais brasileiras, inclusive o Rio, na sua primeira passagem pela América do Sul. Imediatamente, adquiri ingressos no Portal Tickets for Fun, para mim e um amigo que me acompanharia. Durante a compra de ingressos pela Internet, recebi da empresa e da administração do City Bank Hall, local do show, no Shopping Via Park, a garantia de que a casa dispunha de acesso, área para cadeirantes e outros espaços e equipamentos apropriados aos deficientes físicos. Esperei, ansiosamente, por mais de três meses a chegada do dia especial em que o meu ídolo, o baterista do maior grupo de rock de todos os tempos se apresentaria na minha cidade.
Desgraçadamente, no último dia 15 de novembro, eu e o meu amigo que fomos ao show do Ringo Starr vivemos uma verdadeira noite de horror, uma sessão de torturas, no City Bank Hall. Contrariando tudo o que divulgou, informou e comigo contratou, a Time for Fun, empresa da qual faz parte a Tickets for Fun, e que produziu o evento e “administra” o City Bank Hall – eu e meu amigo tivemos de vencer, com grandes dificuldades, obstáculos de uma casa sem acessibilidade, sem equipamentos nem espaços para o cadeirante se locomover e assistir o espetáculo.
Depois de ser proibido pela segurança do Shopping Via Park de nos abrigarmos, sob uma marquise, da ventania e temporal que surpreenderam o Rio naquele fim de tarde, e ficar totalmente encharcado; depois de, perigosamente e sob constrangimento, ser carregado em escadarias, num vai-e-vem sem fim; de ser desconsiderado e desrespeitado por funcionários; de ser, enfim, criminosamente humilhado de todas as formas – deixaram-me num lugar improvisado, cercado por uma grade, onde, sem alternativas, fui obrigado a assistir ao show parcialmente, com visão de apenas um terço do palco. Para arrematar a tragédia, por uma incrível, terrorista e sádica “ordem da administração” da casa, o amigo que me acompanhava para empurrar a cadeira e me dar segurança, e que pagou uma entrada inteira, não poderia ficar ao meu lado, como era a sua função, mas distante de mim.
Este é mais um intolerável e criminoso episódio de tantos que vitimam a mim e a todos os portadores de necessidades especiais na Cidade do Rio de Janeiro, onde os nossos direitos de cidadão são, rotineira e impunemente, ignorados ou esmagados, com a conivência das autoridades. À direção da Time for Fun em São Paulo, comuniquei detalhadamente as barbaridades, o que serviu apenas para a promessa de um estudo futuro sobre a possibilidade de devolução do valor dos ingressos e um registro seco, inócuo e inconsequente de desculpas. Por outro lado, o único telefone da “administração” do Shopping Via Park, empregador do guarda que alegou não ter ordem para permitir que um cadeirante ficasse sob uma marquise numa tempestade, não funciona.
Apesar de toda a violência que sofri, o show do Ringo no Rio de Janeiro foi excelente, como esperava. É certo que fiquei abalado, me senti esbofeteado e ainda estou muito triste, decepcionado com a violência e a fraude, com o tratamento criminoso que recebi da Time for Fun e da Administração do Via Park. Nunca passei por uma situação tão vexatória, ignominiosa, tão ofensiva e humilhante em toda a minha vida.
A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro expede normalmente alvarás de funcionamento para casas de espetáculos, restaurantes, lojas, cinemas e outros estabelecimentos, onde são proibidos o acesso, movimentação e fruição de cadeirantes, onde eles são impedidos de ingressar e se movimentar, onde eles não são bem vindos, pois não são considerados cidadãos. Esses estabelecimentos tem as suas atividades “legalizadas”, estão “autorizados a funcionar” e a “legalmente” discriminar e punir os deficientes físicos em suas cadeiras de rodas. Na verdade, “deficientes humanos” são os proprietários dessas empresas e as autoridades que legalizam esses estabelecimentos, autorizam o seu funcionamento defeituoso, canhestro e ilegal.
Tais fatos, criminosos, como este que me agrediram e negam a liberdade de ir e vir e os mais singelos e básicos direitos de cidadania aos cadeirantes, como o ocorrido no City Bank Hall, de responsabilidade da Time for Fun, os tenho denunciado sempre aos órgãos municipais e estaduais responsáveis pelo cumprimento das leis de garantia dos direitos dos deficientes e sua fiscalização, bem como a entidades privadas que se interessam e cuidam do assunto, sem nenhum efeito, sem qualquer consequência.
Tudo isto é deplorável, inimaginável, quando, já no Século XXI, a Organização das Nações Unidas celebra trinta e seis anos da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, da qual o Brasil é signatário. E anunciamos que nosso País possui uma Constituição denominada “Cidadã” e tantas leis que proclamam e “garantem” os direitos de milhares de deficientes físicos, cadeirantes, cujos preceitos e ordens são cotidianamente ignorados e não cumpridos, numa vergonhosa demonstração de cidadania esmagada.

10 comentários:

Murdock disse...

Triste e lamentável demais ler isso. Cada dia me entristeço e me decepciono mais com nosso país. Mais uma para ajudar a estragar meu dia. Estou sinceramente triste ao ler isso.

Luciana Martinez disse...

É simplesmente de deixar qualquer um perplexo e triste ao ler que um ser humano é submetido a uma situação sem nome como essa. Saber que nenhum responsável é punido por tal ação e exatamente nada acontece! A sociedade precisa enxergar mais que uma cadeira de rodas, mas quem está sobre ela!

RinGoHaHaHa disse...

Mano eu sou fanático doente e estudioso, sei bem como e querer estar diante de um sonho beatle... adoraria que você fosse encontrar ToOdOs oS SeUs DiReItOS nA JuStIçA.
Vá PoR FaVoR... PrOceSsE-Os QuE Vc ConSeGuE Um BooOoMMM DiNhEiRo... Ou QuEm SaBe a PoSsIbILiDaDe De Ve-Lo Lá FoRa... PrOcuRe Um ADvOgAdO.
ringohahaha@hotmail.com
Meu amigo esse é meu email profissional se quiser manter contato é sempre bem vindo um beatfriend.
Estive em 4 shows do Ringo no Brasil e no de POA particularmente me marcou muito, foi meu aniversario de 30 anos eu era o primeiro da fila e alem de conseguir de presente assistir a passagem de som.. consegui um parabéns do Ringo.

Vitoria Muniz disse...

João Paulo, eu fui ao show do Ringo no Rio de Janeiro e presenciei a cena que você descreve, passei pela tempestade e vento e também reclamei para que deixássemos entrar. Eu estava no começo da fila, e reparei na sua situação, lembro até de ter chamado a atenção dos meus amigos para você tentando fugir da chuva. Acho um absurdo esse tipo de situação, aquela rampa já era perigosa (era bem íngreme) e muito mais quando molhada. Foi um completo descaso da equipe nos deixar naquela baita chuva esperando. Sua situação foi bem pior, com certeza, sugiro que entre com um processo, procure um advogado, você está com a razão, e qualquer coisa, pode contar comigo.
vitoriabeltraomuniz@hotmail.com
Boa sorte!

Lizzie Bravo disse...

Sinto muito que você tenha passado por tudo isso. Absurdo! Eles tem que - no mínimo - devolver os ingressos seu e do seu amigo. Vou divulgar. Boa sorte!

The Beatles and U2 disse...

um abusurdo , muita descriminação. Cade os direitos humanos! Amigo desejo que vc consiga fazer a sua justiça.

Taise disse...

Eu acho que você deveria processar e você tem testemunhas, faça isso por você e por todos os cadeirantes, para que não passem pela mesma situação, lamentável isso!

Mr. Mandelbrot disse...

Bom, a minha história foi um tanto quanto diferente, embora já tenha passado vários apertos por causa de falta de acesso - mas fora de minha cidade. Assisti ao Ringo em BH, no Chevrolet Hall, e me surpreendi com a facilidade de acesso, realmente não estava esperando por tanta facilidade, já que normalmente não é assim que acontece. A questão aí nesse caso parece ser da administração e gerenciamento do local do show, e não da produção do show (equipe do Ringo). Mesmo em BH, onde tudo correu bem, vi algum despreparo de parte dos seguranças, mas no geral, foi muito tranquilo. Mais tranquilo do que por exemplo a área reservada no Morumbi para o show do U2 no Popmart, onde pessoas estavam subindo nas cadeiras impossibilitando a visão de quem não podia fazer isso...

Tamires Sol disse...

É uma total falta de educação em um País que prega a igualdade uma pessoa ser tratada desse jeito como se fosse lixo. Um absurdo e uma falta de organização, sinto vergonha por saber como a organização do evento fez pouca caso de sua situação.

ჱܓჱܓ Vanessa Fernandes ჱܓჱܓ disse...

Faço das suas as minhas palavras!
Embora eu não seja deficiente, também me senti ofendida com todo esse descaso. Acho que no nosso Brasil falta humanidade! Algumas pessoas não são racionais e é muito triste isso!
Quero que saiba, mesmo sem te conhecer pessoalmente, te dou o meu apoio! E tenho fé, que nos próximos eventos nós fãs não seremos tratados com descaso e sim com respeito.
Que DEUS nos abençoe!
Bjs