20.8.08

“BRAINWASHED”: O ÚLTIMO ÁLBUM DE GEORGE HARRISON

Último álbum de George Harrison, "Brainwashed" (EMI/Dark Horse) foi lançado a 18 de novembro de 2002, na Inglaterra. O álbum tem duas versões: uma versão-padrão com um CD, e uma versão limitada com um CD e um DVD. O CD traz doze faixas, onze delas compostas por Harrison. A outra é um cover. O lançamento de “Brainwashed” acabou com um jejum de quinze anos, pois o último trabalho com material inédito dele, “Cloud Nine”, ocorreu em 1987. A demora do ex-Beatle para aprontar um novo disco não se deve somente à sua luta contra o câncer, mas, também, ao seu desinteresse em compor e a sua desilusão com a indústria fonográfica. As sessões de gravação aconteceram na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Austrália e na Suíça, país este onde foi gravada boa parte do álbum. Elas tiveram o seu início em 1999 e continuaram até poucos meses antes de George morrer, a 29 de novembro de 2001. Todas as faixas de “Brainwashed” estavam em estágio bem adiantado, praticamente prontas. Harrison já havia registrado o vocal, os violões, as guitarras e o baixo em algumas músicas. O baterista Jim Keltner também adicionou a bateria em sete músicas. A vontade de George Harrison era que as músicas soassem como demos, tivessem uma sonoridade crua. No entanto, Jeff Lynne, que produziu o álbum ao lado de Dhani, filho de George, explicou: “Essas canções mereciam mais do que isso porque elas são ótimas. Eu as poli um pouco mais do que talvez ele teria desejado. Então, me desculpe George. Eu acho que eu apenas fiz justiça a essas músicas”. Lynne é um velho amigo de George Harrison, os dois integraram o célebre grupo Traveling Wilburys, no final da década de oitenta. Ele produziu também “Cloud Nine”, disco já mencionado acima.

Anotações detalhadas feitas por George, de como ele queria concluir as suas músicas, foram deixadas por ele nas mãos de Dhani. Já lhe passava pela cabeça a idéia de não estar mais vivo a tempo de finalizar “Brainwashed”. Por isso, coube a Jeff Lynne e a Dhani Harrison a tarefa de dar um acabamento às músicas. Em “Brainwashed”, há três músicas conhecidas pelos fãs: “Run So Far” (faixa 8), “Between The Devil And The Deep Blue Sea” (faixa 10) e “Rocking Chair In Hawaii” (faixa 11). “Run So Far” está presente no disco “Journeyman”, de Eric Clapton, de 1989. Além de ceder a sua música, Harrison, na ocasião, dividiu os vocais com o amigo Clapton e também tocou guitarra. A gravação de George, agora em seu álbum, é praticamente igual, mas sem a participação de Eric Clapton. “Between The Devil And The Deep Blue Sea”, lançada originalmente em 1932, é de autoria de Harold Arlen e Ted Koehler. O primeiro compôs “Over The Rainbown”, do filme “O Mágico de Oz.” Harrison já havia cantado essa música no programa de televisão “Mr. Roadrunner”, de Jools Holland, em junho de 1992. O pianista Jools Holland está no baixo e o experiente músico de estúdio inglês Herbie Flowers toca tuba em “Between The Devil And The Deep Blue Sea”. “Rocking Chair in Hawaii” aparece em uma versão country nas sessões de gravação do disco triplo “All Things Must Pass”, de 1970. Porém, a música não foi incluída naquele álbum. Em 2001, Harrison resolveu aproveitá-la em “Brainwashed”, dando-lhe uma roupagem mais sofisticada e suave.

“Any Road”, a faixa que abre o álbum, é um tipo de folk. E, na letra, George filosofa: “If you don’t know where you going / Any road will take you there” (Se você não sabe onde vai / Qualquer caminho o levará lá). George Harrison a escreveu em sua casa no Havaí, debaixo de uma bananeira no jardim, enquanto esperava a equipe de filmagem para a realização do videoclipe da música “This Is Love", do álbum “Cloud Nine”. Em “P2 Vatican Blues” (“Last Saturday Night”) (faixa 2), com a sua levada blues, o guitarrista-solo dos Beatles critica a Igreja Católica, talvez, influenciado pelos sucessivos escândalos sexuais envolvendo padres e crianças nos últimos anos. Em algumas faixas do álbum, George Harrison é autobiográfico. Revela um pouco de seu cotidiano na batalha contra o câncer em “Pisces Fish” (faixa 3), onde, nos versos, ele diz:: “Sometimes my life it seems like fiction / Some of the days it’s really quite serene” ("Algumas vezes a minha vida parece ficção / Mas outros dias ela é um cenário totalmente real"). Em ”Looking For You” (faixa 4), o ex-Beatle continua encarando a realidade de frente. Sombria realidade. Em dezembro de 1999, George e sua mulher, Olivia, sofreriam um atentado à facadas, em casa, na Inglaterra. Harrison lutou contra o agressor, que lhe desferiu golpes de faca no tórax. O intruso foi contido, quando Olivia lhe atingiu com um abajour na cabeça.

Apesar dessas circunstâncias adversas, “Brainwashed” não é um álbum com uma mensagem pessimista. George Harrison foi realista sem perder o bom humor e a fé, a esperança e o otimismo. Seguidor do hinduísmo desde os anos sessenta, era um homem fiel às suas convicções. Acreditava na eternidade da alma e que a morte não era o fim do caminho e, sim, uma nova etapa da vida. George Harrison reafirma estas suas crenças em “Rising Sun” (faixa 5), uma canção na qual Jeff Lynne adicionou overdubs e violinos ao fundo, sem contar com a slide guitar de Harrison, que surge no início e no meio da canção. George Harrison foi, disparado, o melhor guitarrista slide de sua geração e um dos melhores da história da música. Tornou esse estilo de tocar guitarra a sua marca registrada. O slide é uma maneira de tocar guitarra no qual o músico desliza a paleta sobre as cordas do instrumento, onde um tubo fica preso. Em “Marwa Blues”, uma faixa instrumental (faixa 6), Harrison mostra todo o seu talento no slide guitar. Aliar técnica e emoção - eis os requisitos fundamentais para um guitarrista ser bom. George Harrison sempre conseguiu isso com perfeição. “Marwa Blues” abre o DVD, que mostra apenas um pouco o making of das sessões de gravações de “Brainwashed”. “Stuck Inside A Cloud” (faixa 7) é a música de trabalho do álbum e a mais pop de todas. Foi a primeira a ir para as rádios. Ela é simples, mas tem uma melodia cativante, enfeitada pelos solos slides de Harrison. Se “Rising Sun” nos transporta para os anos sessenta, a romântica “Never Get Over You” (faixa 9) nos remete à década de setenta, quando Harrison costumava compor baladas desse mesmo nível.

“Brainwashed” (faixa 12) é a faixa-título e encerra o álbum. Nela, ele critica abertamente o mundo atual, o tipo de vida e a importância excessiva que o homem dá ao material. Harrison esculhamba a mídia, a Internet, o telefone celular, o sistema educacional, o show business, enfim, critica tudo que ele achava errado ou inútil em nosso mundo consumista, mesquinho e egoísta. No final de “Brainwashed”, uma jovem lê um trecho do livro “How To Know God” (“Como Conhecer Deus”) e, em seguida, George e Dhani entoam um antigo e popular canto indiano chamado Namah Pavarti. Além de Harrison, o seu filho Dhani, Jim Keltner e Jeff Lynne, outros músicos também participaram das gravações de seu álbum, são eles: Jon Lord, ex-integrante do grupo Deep Purple, e Jools Holland, ambos ao piano; o veterano Ray Cooper na bateria; Joe Brown no violão; Sam Brown no backing vocals; Mike Moran e Marc Mann nos teclados. Na faixa-título, Bikram Ghosh toca tabla (um instrumento indiano) e Jane Lister aparece na harpa.

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